O de que para entrarmos na posse da vida eterna não basta memorizarmos textos da Sagrada Escritura. O que é preciso, o que é essencial, para a consecução desse objetivo, é pormos em prática, é vivermos a lei de amor e de fraternidade que ele nos veio revelar e exemplificar.
Haja vista que o seu interpelante, no episódio em tela, é um doutor em teologia, que provou ser versado em religião, visto que repetiu de cor, sem pestanejar, palavra por palavra, o conteúdo dos dois principais mandamentos divinos.
Mas... conquanto fosse um mestre religioso e, nessa condição, conhecesse muito bem a lei e os profetas, não estava tranquilo com a própria consciência; sentia, lá no íntimo da alma, que algo ainda lhe faltava. Daí a sua pergunta: "Mestre, que hei-de fazer para alcançar a vida eterna?"
Não o martirizasse uma dúvida atroz sobre se seriam suficientes os seus conhecimentos teológicos e os privilégios de sua crença para ganhar o reino do céu,e não se teria ele dirigido ao Mestre da forma como o fez.
Notemos agora que — e isso é de suma importância —, em sua resposta, Jesus não disse, absolutamente, que havia uma "predestinação eterna", isto é, "uma providência especial, que assegura aos eleitos graças eficazes para lhes fazer alcançar, infalivelmente, a glória eterna"; também não falou que havia uma "salvação pela graça, mediante a fé; nem tão pouco indicou como processo salvacionista a filiação a esta ou àquela igreja; assim como não cogitou de saber qual a ideia que o outro fazia dele, se o considerava Deus ou não.
Ante a citação feita pêlo doutor da lei, daqueles dois mandamentos áureos que sintetizam todos os deveres religiosos, disse-lhe apenas: "Faze isso, e viverás", o que equivale a dizer: aplica todas as tuas forças morais, intelectuais e afetivas na produção do BEM, em favor de ti mesmo e do próximo, e ganharas a vida eterna!
O tal, porém, nem sequer sabia quem era seu próximo! Como, pois, poderia amá-lo como a si mesmo, a fim de se tornar digno do Reino?
Jesus, então, extraordinário pedagogo que era, serenamente, sem impacientar-se, conta-Ihe a parábola do "bom samaritano", através da qual elucida o assunto, fazendo-o compreender que ser próximo de alguém é assisti-lo em suas aflições, é socorrê-lo em suas necessidades, sem indagar de sua crença ou nacionalidade. E após argui-lo, vendo que ele entendera a lição, conclui, apontando-lhe o caminho do céu em meia dúzia de palavras:
— "Pois vai, e faze tu o mesmo!"
Se a salvação dos homens dependesse realmente de "opiniões teológicas" ou de "sacramentos" desta ou daquela espécie, como querem fazer crer os atuais doutores da lei, não seria essa a ocasião azada, oportuna, propícia, para que Jesus o afirmasse peremptoriamente?
Mas não! Sua doutrinação é completamente diferente disso tudo: Toma um homem desprezível aos olhos dos judeus ortodoxos,tido e havido por eles como herege — um samaritano — e, incrível! aponta-o como "modelo",como "padrão", aos que desejem penetrar nos tabernáculos eternos!
E' que aquele renegado sabia praticar boas obras, sabia amar os seus semelhantes, e, para Jesus, o que importa, o que vale, o que pesa, não são os "credos" nem os "formalismos litúrgicos", mas os "bons sentimentos", porque são eles que modelam ideias e dinamizam ações,caracterizando os verdadeiros súditos do Reino Celestial
Do livro: Parábolas Evangélicas à Luz do Espiritismo - de Rodolfo Calligaris ( os grifos são nossos)