O encontro da criatura consigo mesma se processa depois de longa caminhada, muitos tombos, muita luta.
Esse dia, considerado pelos que conhecem a vida no seu verdadeiro sentido, é o da ressurreição. É o dia da iniciação nos planos de luz.
Continuando, embora, sujeito ao plano físico, atravessando ainda os corredores escuros onde os fantasmas se ocultam para assustar os incautos, o ser que se encontrou já não corre o risco de ser surpreendido nem se apavora ante as provas que ainda tenha que se submeter.
Sim, porque a vida daquele que tomou conhecimento de si mesmo não se modifica em nada. Continua o seu ritmo normal. Quem se modifica é a criatura, que, caminhando agora de olhos abertos e ouvidos atentos, não tropeçará, não tombará, nem estorvará a caminhada dos demais.
A sua mudança interior será, entretanto, sentida pelos seus familiares, porque seus atos tomarão outro aspecto.
Agora, sob o controle da vontade, dirigida pelo amor e com o apoio da serenidade, ele é, realmente, outro homem.
Não poderá galgar os píncaros da glória, não se converterá num santo, da noite para o dia, mas a sua personalidade será fatalmente destronada, cedendo lugar à individualidade que faz do homem um ser consciente.
A personalidade é o feitio que o homem adota para viver a sua vida material. O seu caráter, o seu modo de ser. Entretanto, adquirida essa personalidade, ou seja, agrupados os fatores primordiais que farão do ser uma pessoa com características próprias, ele afina cada um desses elementos, dulcificando-os, e daquele montão de formas, ele tira partículas e formará o seu ser imortal, espiritual e se individualiza.
A personalidade vive muito bem e adequadamente nos meios mundanos. É a forma de cada um. Mas, na vida do espírito, ela terá que ser podada e muito retocada, para ser utilizada apenas a sua essência.
Eis que, para alguém galgar os degraus da grande escada, terá que se encontrar dentro da sua personalidade, e então, encetar a sua nova vida dentro da vida antiga.
Nesse dia, como já disse, a criatura começa a sua ascensão. Mas o seu rosário de lágrimas será ainda longo... muito longo...
Aquele que ainda perambula na vida inconscientemente, revidando ofensas, injustiçando, ambicionando o supérfluo, descarrega as suas energias nesse trabalho de 'toma lá, dá cá'.
Aquele que se propõe a trilhar o caminho do meio, muito luta e muito sofre, até conseguir sublimar os instintos e equilibrar as emoções.
Vale mais a pena começar agora do que se arrastar por vidas e vidas, carregando o peso da personalidade frívola, incômoda e inútil.
Cenyra Pinto
PINTO, Cenyra. Levanta-te e anda. Rio de Janeiro, RJ: Lachâtre, 1993, p. 138-9.
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